Os Dois Casais
Dois casais. Ana e Miguel. Joan e Isadora. A mesa da sala de jantar da casa de Ana. Mesa redonda, de madeira antiga, onde os quatro bebericam vinho tinto após o jantar. Conversam. São amigos.
Isadora tem nos olhos um brilho estranho. Há volúpia em seu coração. Tem ombros delineados, corpo esguio, cabelos fartos, acomodados num coque meio despenteado, enfeitado por um palito chinês. Olhos de ressaca, como Capitu. A língua toca as bordas do copo e ela lança olhares para Miguel, que se perde nas palavras, um pouco pelo efeito do vinho, mas grande parte pelo poder do olhar de Isadora sobre ele.
Ana conta algo engraçado e Joan gargalha. Ana é pequena, de aparência delicada. Olhos infinitamente azuis e suaves. Cabelos finos, claros, cortados na altura das orelhas.
É um jantar em comemoração à promoção de Miguel. Um cargo a muito desejado por ele na empresa. Estão felizes. Mas Miguel está alheio. Os olhos pousados em Isadora, que tem os olhos pregados nele. A tentação. A amizade. A traição. Miguel está perturbado desde que tudo aconteceu. Desde que tocou sem querer a pele de Isadora, na piscina, numa festa. Os dois dentro da água e de repente o corpo dela encostou-se ao dele, durante um mergulho. O biquíni preto, as curvas do corpo bem feito. O efeito que esse toque proporcionou. As desculpas dos dois, os sorrisos. O dele simpático. O dela cheio de segundas intenções.
Esse incidente foi o começo de tudo. Do turbilhão em que se envolveu. Os olhos dele começaram a ver uma Isadora diferente. Sempre a achou bonita, mas nunca suas observações passaram disso. Então, naquela manhã de sol, um fio invisível e perigoso teceu-se, ligando os dois.
Os quatro se encontravam sempre. Churrascos, eventos, jantares, cinemas, teatros, festas, viagens de fim de semana. Miguel e Joan eram amigos há tempos. As mulheres se conheceram através dos dois. Isadora admirava a meiguice de Ana, e Ana a ousadia de Isadora.
Miguel começou então a sentir um desejo incontrolável por Isadora, que correspondia, sensual, incentivando com olhares, toques de corpo, beijos demorados na face, passadas de mãos fora de hora. Isadora sentia uma atração irresistível por Miguel. Sua morenice, seu jeito de homem maduro, sempre vestido displicentemente, metido em calças folgadas, o cabelo um tanto despenteado, já com alguns fios grisalhos, seu jeito alegre e brincalhão, os braços fortes, o corpo delineado. Joan, seu marido, era mais jovem, refinado, roupas impecáveis, bonito, os cabelos castanhos, lisos, alto e magro.
Numa noite povoada de estrelas Miguel e Isadora consumaram a traição, loucos de desejo.
Estavam numa chácara, passando o fim de semana. Era verão e a noite de sábado estava muito quente. Foram para a piscina. Os quatro conversando, rindo e se embriagando de vodka com limão e gelo. Noite convidativa. Lua cheia. Ar morno. Desejo no ar. Miguel não conseguia tirar os olhos de Isadora, que, provocativa, mergulhava, roçando de leve o lindo corpo em suas costas. Ele se arrepiava a cada toque em sua pele e tentava esconder sua excitação. O ar estava cheio de eletricidade para ambos.
Isadora, já levemente alterada pela bebida, sentia o corpo em fogo, desejando Miguel e tentando disfarçar suas intenções. Não pensava em Ana, nem em Joan, nem na amizade. Pensava em sexo.
Joan e Ana pareciam não perceber nada e conversavam amenidades, entre risadas e histórias engraçadas, alheios ao que estava ocorrendo com Miguel e Isadora, ali, aos olhos dos dois.
Assim a noite foi adentro. Muita vodka, muita conversa, até que numa certa hora Ana disse estar com frio.
- Vocês vão ficar? Para mim já deu, quero subir, tomar um banho quente e me deitar. Amanhã quero aproveitar o dia para andar a cavalo logo cedo. Você vem, Miguel?
Isadora sentiu o sangue ferver.
- Não Ana. Não tenho sono, vou ficar aqui com eles, certo? Durma bem.
Ana enrolou-se na grande toalha branca, jogou um beijo para todos e se recolheu.
Joan resolveu ficar mais um pouco, porém, depois de mais um tempo de conversa disse estar cansado também e iria para a cama. Isadora disse que ficaria. Miguel também.
- Vocês vão se diluir nessa piscina, seus loucos. Estou bêbado demais, preciso dormir. Boa noite, queridos.
Uma troca de olhares sutil entre Isadora e Miguel apontou o que aconteceria dali em diante.
Cada um permaneceu alguns momentos ali, lado a lado, com o corpo mergulhado na água e as mãos apoiadas na borda da piscina, em silêncio. Isadora tinha medo de encarar Miguel, que por sua vez tremia só de pensar em tocar o corpo daquela mulher que desejava tanto e tão intensamente.
O momento congelado. De repente se olharam. Instantes imóveis.
- Eu te quero. Disse Miguel, com a voz firme, incisiva.
Puxou Isadora para si, violentamente e esta lhe grudou como se tivesse ventosas pelo corpo, afundando as mãos nos cabelos dele.
Consumaram o ato, ali, naquela piscina, entre gemidos em tom baixo, unhas nas costas, sussurros no ouvido, promessas, confissões, beijos avassaladores, corpos frenéticos, línguas e afagos.
E desde então vivem de encontros furtivos, de beijos roubados, de noites de sexo às escondidas. Miguel sofre por Isadora, a deseja mais que tudo. Ama Ana, com sua meiguice, sua dedicação à ele, à casa, ao amor. Sente-se culpado por ter entrado nesse jogo. Mas Isadora o prende, o arrasta ao delírio, ao inferno, onde seu corpo é quente.
Voltemos aos quatro bebericando vinho e comemorando a promoção de Miguel, naquela noite.
Ana resolve levantar-se meio trôpega pelo vinho em excesso para levar os pratos para a cozinha. Joan a segue, rindo e dançando. Na cozinha, encosta a porta e abraça Ana, que o agarra freneticamente e enche a boca com o resto de vinho da taça beijando Joan, que acaricia sua coxa por baixo do vestido leve. Gemem baixinho. Sussurros no ouvido.
- Queria ter você como naquela primeira noite na chácara. Aqui. E como ontem, no chão dessa cozinha, Ana.
- Eu também, Joan.
Na sala, Isadora, sentindo seu sexo pulsar de excitação, acaricia com os pés por baixo da mesa o membro duro de Miguel. Seus olhos faíscam de desejo.
- Te quero, Miguel.